10.9.07
O Trabalho como Remédio
Num tempo em que tanto se fala do trabalho, no que ele tem de motivador, de realização pessoal, de garante da subsistência, de agenciador de prazer ou de enfado, lembrei-me de revisitar este pequeno troço do final do famoso conto filosófico de Voltaire, Cândido.
Nele sublinhei as passagens mais frequentemente citadas por comentadores e estudiosos da obra deste muito elogiado escritor, ainda que, como muitos outros notáveis pensadores, não haja sido nenhum modelo de virtudes na sua vida privada.
Voltaire (1694-1778) ficou célebre como filósofo, prolífico escritor de fino recorte, mas, para muitos, sobretudo como acerbo crítico da Igreja. Foi um dos mais destacados precursores das fervilhantes ideias inovadoras que haveriam de explodir, no final do século XVIII, no turbilhão da Revolução Francesa, de que, em catadupa, sairia um dos mais controversos caudais de benefícios e de tragédias que a Humanidade já conheceu.
Por me parecer muito sugestivo, transcrevo aqui as últimas passagens deste conto a todos os títulos interessante :
Extracto de Candide, de Voltaire :
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Vous devez avoir, dit Candide au Turc, une vaste et magnifique terre ?
- Je n’ai que vingt arpents, répondit le Turc ; je les cultive avec mes enfants; le travail éloigne de nous trois grands maux, l’ennui, le vice, et le besoin.
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Vous savez..... Je sais aussi, dit Candide, qu’il faut cultiver notre jardin.
Vous avez raison, dit Pangloss; car, quand l’homme fut mis dans le jardin d’Éden, il y fut mis _ut operaretur eum_, pour qu’il travaillât; ce qui prouve que l’homme n’est pas né pour le repos.
Travaillons sans raisonner, dit Martin, c’est le seul moyen de rendre la vie supportable.
Toute la petite société entra dans ce louable dessein; chacun se mit à exercer ses talents. La petite terre rapporta beaucoup.
Cunégonde était, à la vérité, bien laide; mais elle devint une excellente pâtissière; Paquette broda; la vieille eut soin du linge.
Il n’y eut pas jusqu’à frère Giroflée qui ne rendît service; il fut un très bon menuisier, et même devint honnête homme: et Pangloss disait quelquefois à Candide :
Tous les événements sont enchaînés dans le meilleur des mondes possibles; car enfin si vous n’aviez pas été chassé d’un beau château à grands coups de pied dans le derrière pour l’amour de mademoiselle Cunégonde, si vous n’aviez pas été mis à l’inquisition, si vous n’aviez pas couru l’Amérique à pied, si vous n’aviez pas donné un bon coup d’épée au baron, si vous n’aviez pas perdu tous vos moutons du bon pays d’Eldorado, vous ne mangeriez pas ici des cédrats confits et des pistaches.
Cela est bien dit, répondit Candide, mais il faut cultiver notre jardin. (Fim da transcrição e do conto).
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Na essência, a ideia-força que ressalta das considerações do Turco, segundo as quais o trabalho nos livra de três grandes males ou flagelos : o tédio, o vício ou os vícios e a pobreza ou a miséria, não andará muito distante da que emana da inscrição Arbeit macht Frei/ O Trabalho Liberta, que os Nazis colocavam nos portões dos seus Campos de Concentração, que eram, na verdade, Campos de Morte, para os infelizes que lá caíam.
Porém, esta associação, em mais de 60 anos passados desde o fim da 2ª Guerra Mundial, nunca terá sido feita pelo imenso número de analisadores, comentadores e apreciadores de Voltaire, em grande parte, como sabemos, oriundos daquela faixa social, tradicionalmente esquerdizante, tida quase sempre por intelectual bem-pensante, hoje, mais do que nunca, empertigadamente assumida como porta-voz do chamado pensamento político correcto, maravilha insuportável da actual modernidade.
Dada a proximidade, segundo creio, das aludidas mensagens, cabe perguntar : a que se deverá este aparente lapso de tantos ultra-laboriosos e iluminados cérebros, que, sem cessar, sobre tudo reflectem e emitem sentença ?
Deixo, pois, à consideração filosófica dos meus hipotéticos leitores esta inquietante questão que subitamente aflorou na minha mente.
AV_Lisboa, 09 de Setembro de 2007
Comments:
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António, a isso ainda podíamos acrescentar o anti-semitismo de Voltaire. É verdade que, na época, era difícil encontrar pensador que não caísse nessa tentação, mas o ódio aos judeus assumia em Voltaire proporções para além de uma espécie de (proto-)sentimento anti-capitalista muito comum no século XVIII.
E não nos podemos esquecer que Voltaire encontrava num tirano iluminado o melhor líder para a canaille. Ah, e a religião era, para Voltaire, inimigo a abater, mas só no domínio dos intelectuais. Para a canaille, a fé devia ser incentivada, pois só assim se poderiam controlar os seus instintos primitivos. Um mimo, este “pai da liberdade”, mais um dos mitos criados pela intelectualidade esquerdista do século XX europeu, que durante tanto tempo nos cobriu com um véu de ignorância, dificultando a descoberta da verdadeira essência dos pensadores iluministas.
(Nota: encontro muitas virtudes em Voltaire. Mas irritam-me estes processos de “limpeza” aos quais foram submetidos tantos filósofos.)
E não nos podemos esquecer que Voltaire encontrava num tirano iluminado o melhor líder para a canaille. Ah, e a religião era, para Voltaire, inimigo a abater, mas só no domínio dos intelectuais. Para a canaille, a fé devia ser incentivada, pois só assim se poderiam controlar os seus instintos primitivos. Um mimo, este “pai da liberdade”, mais um dos mitos criados pela intelectualidade esquerdista do século XX europeu, que durante tanto tempo nos cobriu com um véu de ignorância, dificultando a descoberta da verdadeira essência dos pensadores iluministas.
(Nota: encontro muitas virtudes em Voltaire. Mas irritam-me estes processos de “limpeza” aos quais foram submetidos tantos filósofos.)
Caro António Viriato
Li Voltaire ("Cândido" e "Ingénuo") aos 15 anos e adorei. Educado numa família profundamente católica, fiquei impressionado ao verificar que se podia criticar a Igreja Católica sem se ser fulminado por um raio divino...
Claro que concordo basicamente com o que diz. Mas penso que o paralelismo entre um filósofo francês do Sec XVIII e o cinismo atroz de um torcionário nazi é um pouco forçado. Os contextos são muito diferentes.
Li Voltaire ("Cândido" e "Ingénuo") aos 15 anos e adorei. Educado numa família profundamente católica, fiquei impressionado ao verificar que se podia criticar a Igreja Católica sem se ser fulminado por um raio divino...
Claro que concordo basicamente com o que diz. Mas penso que o paralelismo entre um filósofo francês do Sec XVIII e o cinismo atroz de um torcionário nazi é um pouco forçado. Os contextos são muito diferentes.
Meu Caro António Viriato,
sem esquecer o optimismo, superior ao de Pangloss e presente num e noutros, de abstrair da Culpa, do Pecado que foi causa da condenação a ganhar o pão com o suor do rosto, bem como a outros trabalhos (os de parto), femininos.
Abraço
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sem esquecer o optimismo, superior ao de Pangloss e presente num e noutros, de abstrair da Culpa, do Pecado que foi causa da condenação a ganhar o pão com o suor do rosto, bem como a outros trabalhos (os de parto), femininos.
Abraço
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